domingo, 30 de agosto de 2015

Quando a dor...

Quando a dor da alma se transforma em dor física, a gente faz o que? E quando a dor física é tão profunda, ou tão cotidiana que ultrapassa as barreiras metafísicas e vai parar lá na alma?
É... Procurar o médico da alma e o do corpo também.
Tenho pensado muito sobre essa coisa de dor aqui, dor ali, dor acolá. E onde está a fronteira entre o corpo e a alma - o que muito chamam de psiquê, coração, sentimentos etc.
Já li muito sobre o que as culturas orientais dizem a respeito disso tudo. O que acontece comigo, por exemplo, é que sinto dores na coluna há pelo menos uns 10 anos. E há sete anos eu "travei" a coluna lombar e de um modo bem vexatório, diga-se de passagem.
Numa agradável, porém conturbada viagem ao Rio de Janeiro - que parece que é o lugar onde minha alma gosta de ir, teimosamente, pousar - eu havia acabado de fazer a "toillete" matinal e havia tirado a roupa de dormir para colocar trajes de banho porque ia para a praia. Bom, resolvi me abaixar para sacudir a toalha de piso e o fis sem flexionar os joelhos, como se estivesse fazendo um alongamento da parte superior das pernas e da lombar. Sempre fiz isso, mesmo porque sou muito flexível, mas dessa vez não consegui levantar. Sem voz, chamei quem estava mais perto com um fio de forças me me restavam.
Fiquei toda dura. Passei uma semana sem poder andar direito. Precisei de ajuda todo esse tempo para me vestir, tomar banho, deitar na cama... 
E foi então que percebi que as dores da alma ultrapassaram meu corpo. Dizem que para os chineses as dores na coluna falam para a gente que não estamos suportando determinadas situações. Ali eu vi que foi assim mesmo... 
Mas, o fato é que eu já havia suportado muitos sentimentos ruins por muito tempo e uma notícia nada agradável me fez perder a capacidade de me sustentar.
Uma vez danificado o corpo, infelizmente, não há como consertar. Eu não sabia, mas já estava com uma lesão em um disco. Que se agravou com o tempo... Virou uma hérnia de disco, entre as muitas que foram diagnosticadas recentemente. 
E aí, tudo se torna um círculo vicioso corpóreo-sentimental: A gente sente tanta dor que se sente incapaz de realizar as mais simples tarefas sem sentir desconforto. E aí acaba se vendo dependente de medicamentos e nunca mais pode levar uma vida sem exercícios - coisas que eu detesto.
Compreender-se, entretanto, é o primeiro passo para que levemos as dores de forma mais consciente.
Muitas vezes outras pessoas causam em nós feridas que não saram mais, não cicatrizam. 
Comigo aconteceu que uma ameaça à minha vida e à vida da minha filha foi como um tiro emocional no meu coração. Parece que meus olhos se abriram para todas as possibilidades ruins que poderiam acontecer com ela. E não só com relação a assaltos e acidentes automobilísticos. Mas também nas mais simples ações cotidianas. Nunca mais eu tive paz. E passei a ter pensamentos obssessivos incontroláveis pela razão que tentava desesperadamente se sobrepor. O resultado disso por mais de um ano foram mais três hérnias de disco que estão se formando, agora na cervical. Outro resultado de uma dor na alma insustentável. E, como a coisa estava sendo formada no cérebro mesmo - a química ficou alterada - minha cervical não sustentou mais a tensão entre a razão e a emoção negativa da possibilidade de perder a minha filha... E isso se estendeu a todos os que eu amo. E minha aversão à solidão ficou latente outra vez.
Estava lutando contra isso. Perdi a luta. Fiquei toda travada novamente. E a cervical doente adoece um monte de outras coisas: os ombros, os braços, as mãos e a cabeça também. Enxaquecas unilaterais insuportáveis estavam me atacando.
Médico, medicamentos, tratamento e a luta para não parar de trabalhar. E um remédio estranho, que regulou a química cerebral e me deu condições de perceber tudo isso aí.
Quero muito é dizer a quem está suportando dores na alma por tanto tempo, que procure ajuda. A minha ajuda veio, mas eu precisei procurar por ela. Eu já estava andando toda torta. Precisava mesmo me ajustar. 
Fibromialgia, pressão alta, taquicardias, enxaquecas, asma... Tudo isso é fruto de sentimentos mal resolvidos. Resolva-os, de um jeito ou de outro. Não é possível que não possamos admitir nossos problemas. Isso é resultado de uma sociedade egoísta: Ninguém quer saber se o outro sente dores e quais as dores dele. Ninguém quer saber. Porque temos de mostrar resultados. É bom ver uma pessoa sorrir ao invés de parar e ouvir o que ela tem a dizer. 
Nos tornamos a sociedade dos pseudo perfeitos, dos que trabalham e não reclamam, das boas mães, dos bons pais, das crianças alfabetizadas cada vez mais precocemente. Dos corpos perfeitos, dos cabelos de comercial de xampu, dos dentes branquinhos e sem cárie, dos casamentos perfeitos, da medicina uber avançada, que não admite a morte... E tudo isso é descartável.
Se o trabalho não satisfaz, troca. Se não é boa mãe ou bom pai, põe na terapia, deixa o psicólogo, o psiquiatra, o pedagogo, a escola resolver; se a criança não sabe diferenciar as consoantes das vogais aos 4 anos de idade, chama a mãe, o pai, o orientador, o psicólogo da escola para a gente tentar resolver, afinal, ela tem de ser perfeita; se os dentes não são mais brancos, faça branqueamento e pare de fazer o que ama: não tome café, nem vinho, não coma chocolates, nem molho shoyu... Se o corpo está fora dos padrões, faça bariátrica, pare de comer, faça exercícios, afinal, mesmo grávidas, temos de ter barriga travada; se casou e não há mais a mesma frequência no sexo, se o coração não acelera mais, se os encontros acabaram, se o parceiro não tem tanto tempo mais por causa do trabalho, se, se, se, separa... se a morte está chegando, vamos protelar até o último fio de vida que restar.
Acho isso tão difícil de suportar. Porque não somos perfeitos. E é a nossa imperfeição que nos faz deliciosamente humanos. É natural ficar irritado, é natural achar tudo chato, é natural não saber tudo, é natural ser imperfeito!!! 
A coluna, o coração, o cérebro não tolera nossa perfeição. Nosso corpo foi feito para  a assimetria. Foi feito para o riso frouxo e para o choro desmedido. Para a ação e para o repouso. Para o frio e para o calor. Para dormir e para acordar.
Mas, não é fácil admitir isso. Não é fácil admitir nossos muitos medos, nossos pavores, é difícil admitir que os monstros que habitam nossas mentes uma hora ou outra tomam conta dos espaços e nos tiranizam. 
Não é fácil chorar quando se tem vontade, Não é fácil ficar sozinho, dizer que precisa ficar quieto, sem ouvir - "mãããããããe"! Não é fácil viver...
Mas é bom viver. É tudo o que queremos. 
Porém, quando a dor ultrapassa as barreiras, bom seria poder gritar. Mas, a gente nem sempre pode. E, nessa impossibilidade, que bom seria que a imperfeição tomasse o devido lugar na nossa existência e viesse para ficar. Só que não podemos fugir da sociedade, da convivência. Daí, o jeito é procurar ajuda. E procure! Nada mais humano que se declarar incapaz: é o primeiro passo para alcançar a saúde do corpo e da alma.

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