domingo, 21 de fevereiro de 2021

Entre Vênus e Vênus

 Talvez alguns de vocês que me leem não sabem que sou Plus Size. Você sabe o que é isso? Bom, meu manequim está um pouco fora do padrão dito normal, então, eu estou em uma categoria acima do normal, entende? Eu visto entre 44 e 46, G ou GG, dependendo da confecção da roupa.

Mas, quem cunhou o termo Plus Size e como ele surgiu, afinal?

Bom, antes de qualquer coisa, precisamos andar um pouco atrás, na história da humanidade e entender como os padrões de beleza se desenvolveram. Afinal, beleza é algo muito subjetivo e cada cultura tem um parâmetro para dizer o que é belo ou não.

Sim, sim... Eu entendo que o cérebro humano detecta a simetria imediatamente e, encontrando algo que lhe pareça "estranho" imediatamente chama atenção de modo agradável ou desagradável. Porém, algumas coisas são muito mais subjetivas mesmo.

Por exemplo, temos as mulheres birmanesas e seus pescoços alongados por aros. Você já deve ter ouvido falar na expressão "Mulher Girafa", não? Eu, pessoalmente, acho estranho, mas elas são lindas aos olhos de sua cultura.

Mas, vamos passear pela história da beleza e entender algumas coisas que têm mais a ver com o ter do que ser e eu explicarei esse aparente paradoxo mais à frente...

Bom, uma das esculturas femininas mais antigas de que se tem notícia é a Vênus de Willendorf, essa fofa aí em baixo que está em diversas posições:

(Fonte: https://encrypted-tbn0.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcRBA9jPhbVpWTjJccTtv8mhn8tHoth_uhlqUQ&usqp=CAU - Extraído em 20/02/2021)

Vejam como ela é barrigudinha, tem seios fartos e caídos, pernas grossas... Esse era o ideal de beleza: aquela que pode sustentar a sua prole, aconchegar seus rebentos e alimentá-los na maior parte do tempo de sua vida fértil. Essa era "A" mulher!!! Essa estátua remonta ao período paleolítico e nos mostra como a sobrevivência de nossa espécie era tão importante que esse corpo era considerado perfeito a ponto de ser esculpido para ser deixado por gerações.

Esse padrão se revela em diversas esculturas até o período de ouro das civilizações mesopotâmicas, que, ainda que valorizem a intelectualidade e a religião, tinha como imagens para devoção de algumas vênus com características semelhantes à de Willendorf: curvilínea, seios fartos e compleição forte.

Já a civilização grega exaltou a beleza simétrica: uma silhueta mais fina e delicada, porém com algumas características de força bem marcadas, como músculos salientes em todo o corpo, pescoços um pouco mais largos e rostos mais esguios. A principal representante desse "padrão" grego é a bela Vênus de Milo, essa lindona sem seus bracinhos aí, ó:

(Fonte: https://hav120151.wordpress.com/2017/11/05/a-representacao-e-evolucao-da-figura-feminina-na-escultura-das-venus-pre-historicas-as-esculturas-gregas/ - extraído em 20/02/2021).

Depois, vieram os romanos e muita coisa rolou debaixo da ponte, queridos... Mas, eu quero dar um salto no tempo e parar nos tempos medievais, em que, novamente, ser mais gordinha era sinal de beleza... Mas, por que isso, afinal? Como eu disse acima, muito tem mais a ver, a partir de certo ponto da nossa História, com o ter, mais do que com o ser. 

Explico: é que, para uma mulher medieval ser mais gordinha significava muitas coisas, dentre elas que tinha comida disponível, tempo para ficar em casa só bordando e cuidando dos afazeres do lar que suas servas realizavam. Fora isso, o tom alvo de pele e as roupas elaboradíssimas, diziam que essa pessoa não precisava trabalhar, ou seja, era rica, bem criada e teria um bom dote para oferecer aos pretendentes que deveriam ser igualmente ricos como ela.

Bom, naquela época não era considerado muito bom ser camponês. Isso significava viver longe das cidades, passando horas ao sol rebanhando a criação da família, recolhendo lenha para os longos invernos ou passando o dia nas lavouras. Isso dava às mulheres uma compleição mais esguia, rostos finos e com a pele queimada. E isso queria dizer que ela era pobre e não teria um dote, lamentavelmente. Elas, provavelmente, também não conseguiriam gerar muitos filhos em um tempo curto. Isso porque as mulheres mais abastadas, as nobres e soberanas, para garantir uma numerosa prole, não amamentavam seus filhos, para que pudessem ter um filho atrás do outro e gerar a maior quantidade de herdeiros possíveis para as terras e riquezas das famílias. Então, elas teriam muitos filhos em um período maior de tempo e ainda jovens.

Já as mais pobres, além de terem de trabalhar pesado durante toda a gestação, amamentavam seus filhos enquanto podiam, o que fazia com que tivessem filhos a cada dois anos, mais ou menos. As que eram fortes e moravam próximas às nobres poderiam ser escolhidas para ser amas de leite, o que fazia com que elas tivessem de parar de amentar seus próprios filhos em detrimento dos filhos de suas patroas. Sim, isso é terrível, mas aconteceu até pouco tempo atrás. 

Mas, passado o tempo, o ideal de beleza mudou, assim como as vestimentas femininas também mudaram. Os vestidos que davam espaço para os bebês crescerem nas barrigas das mães passaram a ter a cintura marcada por espartilhos e a figura esguia, de cinturas finíssimas, braços delicados e mãos lisinhas passaram a ser o ideal de beleza. Pelo mesmo motivo, afinal, uma mulher com espartilhos apertadíssimos não podia trabalhar duro sob pena de passar muito mal. Então, eram suas criadas quem faziam todos os serviços pesados, pois podiam ficar com os corpos mais livres. As mais pobres eram as de corpos mais fortes, braços roliços, mãos pesadas, rosto queimado de sol... Eram as amas de leite que se encarregavam dos cuidados das crianças enquanto as mães recuperavam seus corpos magros e se preparavam para voltar à vida social. Durante as gestações, ficavam praticamente reclusas. Mostrar-se gestando era quase como sair nua à rua. Isso, talvez, mostrasse que ela tinha uma vida sexual ativa e isso não era algo que todos precisassem saber... Enfim, a hipocrisia!

O início do século XX, até os anos 20 foi mais ou menos assim. Até a chegada da magnífica Gabrielle Chanel, minha xará, que escandalizou sua sociedade por não usar espartilhos, usar preto sem estar de luto, usar calças e ser solteira, independente financeiramente, socialmente e sentimentalmente, as mulheres usavam espartilhos, roupas muito pesadas, cheias de detalhes e limitantes. Ela foi um escândalo, mas também era muito admirada e levantou um séquito de mulheres que queriam ser como ela. Ela trouxe uma moda mais acessível, utilizando tecidos mais leves, alguns deles considerados coisas de pobres, como o Tweed, uma trama rústica de lã, camisetas de algodão listradas - roupas consideradas de marinheiro - e outras cozitas más!

Vejam agora como e onde nasceu o tempo Plus Size:

O termo Plus Size, como conhecemos hoje, foi utilizado pela primeira vez em 1920, cunhado e disseminado pela norte-americana Lane Bryant. Ela abriu sua primeira loja em 1904, onde produzia e vendia roupas para gestantes. Seu item mais vendido era um vestido de maternidade com elástico na cintura e saia plissada. Por volta da década de 20, Bryant percebeu uma grande lacuna no mercado: os grandes fabricantes simplesmente ignoravam as mulheres mais robustas, que precisavam recorrer a ateliês particulares. Na época, ela chegou a medir mais de 4.500 de suas próprias clientes para conseguir desenvolver a modelagem perfeita para a sua nova linha. A premissa da designer era fornecer roupas de boa qualidade (e dentro das tendências) para mulheres fora das medidas padrões.

(Fonte: http://www.sindicatodaindustria.com.br/noticias/2017/08/72,115466/a-historia-da-moda-plus-size-e-a-evolucao-dos-padroes-de-beleza.html - Extraído em 20/02/2021).

Porém, ainda até os anos 60/70, as pessoas sentiam-se desconfortáveis ao ver mulheres grávidas andando com menos roupas... Que o diga Leila Diniz, que chocou a sociedade carioca ao aparecer na praia grávida e de biquíni! Interessante ressaltar que mostrar a barriga grávida nua era quase um sacrilégio. Não sei se a gravidez era considerada sagrada demais ou se isso era um choque de desconforto ao ver o corpo de uma mulher se modificar tanto para gerar um filho. O fato é que, novamente com a nova silhueta de Dior nos anos 50, que marcava a cintura de uma forma novamente opressora - não estou falando de opressão machista ou qualquer outra coisa, mas de um conceito corporal - de modo que a mulher voltasse a ter aquele shape mais de ampulheta, sabe?

Mas, os anos 60 chegaram e toda a sua rebeldia: roupas curtíssimas, modelagens mais soltinhas... Porém, cabelos mais estruturados: agora a rigidez era neles que passaram a ser quase esculturas... Anos 70 e toda a sua diversidade: cabelos livres, roupas de tudo quanto é jeito e uma atitude de liberdade pela liberdade. Anos 80 e o corpão curvilíneo a pele bronzeada e muita, muita, muita maquiagem e acessórios. A partir dos anos 70 já não cabia mais o visual muito embonecado. As mulheres saíram com tudo ao mercado de trabalho e estavam em busca de outros tipos de liberdade. Aqui, a questão da rigidez no penteado, no shape das roupas que mostravam que aquela mulher era uma dona de casa que fazia de tudo para ser perfeita não cabia mais.

O corpão dos anos 80 era conseguido com malhação aeróbica, que visava um corpo enxuto, mas nem tanto, e sem músculos bem marcados. O bronzeado, dizia que ela tinha tempo ao menos nos fins de semana para ir à praia ou clube. Isso, novamente, nos mostra que o ter ainda ditava um pouco dos padrões de beleza, afinal. Pois, ter um cabelo volumoso significava que a mulher tinha condições de fazer um permanente nos cabelos, podia pagar um bom cabeleireiro. As roupas extravagantes, as bijuterias da moda, a maquiagem... Tudo isso exigia um certo poder aquisitivo. Aliás, ainda exige.

Mas, os anos 90 começaram. E as semanas de moda, com o advento da Globalização, passaram a ter visibilidade mundial e todos começaram a ter acesso às imagens das coleções, assim como a moda se democratizou: as grandes redes copiavam os grandes designers e vendiam para as classes mais baixas enquanto os grandes nomes permaneciam com o créme de la créme do mundo. Foi quando os designers decidiram que o padrão a ser seguido era o da super modelo Kate Moss: magra, magríssima, quase anoréxica, com costela, ossos da bacia, clavículas e vértebras aparentes, cabelos lisíssimos caídos no rosto e rosto muito magro... Quase nenhum vestígio de seios. Surgiu o conceito de modelos cabides, ou seja, as roupas deveriam ser as protagonistas dos desfiles e não os corpos que as vestiam. Porém, entre os anos 90 e 2000, surgiu um perigoso padrão de beleza, ditado pelo, novamente, ter e não ser: as supermodelos estavam ganhando super salários, fazendo inúmeras campanhas de publicidade e ficando cada vez mais famosas e influentes no mundo da moda... 

Para muitas jovens, os corpos tamanho 34, 36, 38 passaram a ser suas metas e houve um boom de diagnósticos de transtornos alimentares ao redor do mundo. Bulimia e anorexia, associados aos seus pares, ansiedade e depressão. Uma tristeza!

Já na década de 2010, vimos o termo Plus Size ser novamente cunhado com mais ênfase. Essa questão do ter e ser começou a ser mais discutida e a explosão da modelo brasileira Flúvia Lacerda, descoberta ainda em 2003 em Nova York e hoje é considerada uma supermodelo colocou em cheque os padrões da indústria da moda. Por que, afinal, somente manequins até o 42 podem andar na moda? Vestir roupas que mostram que são antenadas com as mais recentes tendências e uma pessoa com o manequim acima disso não pode?

Flúvia tem a minha altura e veste mais que eu. Entretanto, eu acho que ela é simplesmente infinitamente mais bonita. Ontem mesmo eu coloquei várias roupas à venda porque, algumas delas eu acho que não ficam boas suficiente em mim. Porque meu peito isso, minha bunda aquilo, minhas coxas assim, minha cintura assado.

E eu me peguei pensando a respeito de mim e de muitas pessoas com as quais eu convivo, incluindo a minha família e em como eu gostaria que essa tal diversidade fosse mesmo real. Aliás, a diversidade é, mas o respeito à diversidade não é. À parte a questão de saúde, que é indiscutível, a gente não deveria ficar pensando em como vai parecer aos outros.

Sou muito vaidosa e quem me conhece mesmo até tem, muito de vez em quanto, a chance de me ver sem maquiagem e, como eu costumo dizer, com roupas de dona de casa. É muito raro, muito mesmo. Isso porque eu sei que sou extremamente insegura com a minha aparência. Eu gosto de me vestir bem, gosto de me maquiar, gosto que meu cabelo esteja lindo, preciso andar sempre perfumada, unhas feitas, sapatos legais. Ou eu não me sinto suficiente.

E o fato de isso ter acontecido comigo tem um pouco a ver com os mais de 30 quilos que ganhei após a maternidade. Já fui a muitos médicos, nutricionistas, já pratiquei e deixei de praticar atividades físicas (essa parte eu odeio!), já fiz dietas por conta própria e orientadas ao longo desses 10 anos de mãe, porém não emagreci mais. O máximo foram 6kg. 

Já encontrei pessoas com quem eu convivi intimamente e não me reconheceram, já encontrei pessoas que me disseram na lata que eu era mais bonita assim ou assado, já li coisas muito desagradáveis aqui mesmo nesta página do Universo... Gente que já disse que eu já era horrorosa e, quando parisse, ia foder tudo... E tudo isso já me deu uma rasteira na Passarela da vida.

Sou uma mulher frágil em mim mesma. E confesso que sou suscetível a algumas falas e olhares. Não ser reconhecida me fez extremamente mal. Ouvir que eu era mais bonita, me fez extremamente mal. Ouvir de médico que eu devo parar de usar desculpas para emagrecer me deixa mal... Saio do consultório me achando um lixo impotente, fraca, sem inciativa e resiliência.

Eu sei que se eu emagrecer minha mobilidade vai melhorar. Eu sei que se eu praticar exercícios físicos eu vou ficar mais saudável, eu sei que se eu começar a emagrecer eu vou ficar mais motivada... EU SEI!

Mas, alguém já me perguntou o que EU quero? Se você é Plus Size e está lendo isso aqui, eu vou perguntar para você: o que VOCÊ quer? O que eu e você queremos é realmente o que eu e você queremos ou o que os outros querem para nós? E eu não estou me referindo à saúde não. Estou me referindo à forma do seu corpo, o jeito como você gosta de se vestir, o que te faz rir mais do que ficar triste.

Estou falando do fato de você gostar de curtir uma boa comida, o fato de você não ficar só a peito de frango com batata doce e beber suco verde e tomar chá termogênico... Se for isso que te faz feliz, ótimo! Permaneça em seu caminho. Se não é isso, tome a única atitude que lhe cabe: administre o seu corpo para ser feliz.

No meu caso, eu já entendi que eu preciso emagrecer, nem que seja um pouco. E não é porque eu estou me sentindo feia, não. É porque minhas articulações estão sobrecarregadas e eu tenho problemas sérios com isso. Tenho uma frouxidão ligamentar muito acentuada e meus tornozelos, por exemplo, já estou dizendo que precisam de alívio para não "escorregarem" em si mesmos todas as vezes que vou andar. Da mesma forma meus joelhos e meu quadril. Eu literalmente PRECISO. 

Mas, meu caminho será árduo, pois eu DE-TES-TO atividades físicas. É algo que me deixa aborrecida. Não gosto das dores que sinto durante e depois dos exercícios, ODEIO suar... não gosto. Só que eu sei que é necessário até para me ajudar em alguns índices sanguíneos.

Não quero é ser padrão para ninguém. Nem dar desculpas para quem quer que seja estar acima ou abaixo do peso eficar doente. Não quero dizer aqui que você ou eu temos de nos conformar em ser uma  ser uma Vênus de Willendorf, ou de Milos... Quero que sejamos felizes. Não quero que seu padrão seja ditado pelo ter, mas pelo ser! 

Se você não tem grana para pagar um personal trainer, um nutrólogo, um nutricionista e passar mais de 3 horas em uma academia treinando - esse é o padrão ter dos nossos tempos - faça o que pode para ser mais saudável sem deixar de fazer as coisas de que gosta, seja comer uma buchada de bode no fim de semana, uma pizza, ou a sua salada e seu frango com batata doce. Só não deixe de ser feliz e não deixe de aproveitar o lado bom da vida.

Eu vou prometer aqui e quero que você se prometa daí a não me levar pela minha ansiedade e parar de ouvir, ver e sentir somente aquilo que me denigre. Eu prometo que vou me olhar no espelho e dizer que me amo, de qualquer jeito. Seja com os cabelos pretos, longos e de franjinha lisos, ou encaracolados, volumosos e ruivos, com 1,72m e 60kg, ou com 90kg, que eu vou me amar! 

"Eu te amo, Gabi! E te aceito do jeito que você é! 

E, se quem está ao seu lado, seja homem, filha, pai, mãe, irmãos, sobrinhos, tios, primos, amigos, colegas de trabalho ou conhecidos não forem tão gentis, você será, Gabi! 

Você tem o direito de chorar por isso de vez em quando, mas lembre-se de ser uma pessoa em um corpo e não de ter uma pessoa em um corpo. Saúde não tem a ver apenas com o seu peso ou com a sua aparência externa. Tem a ver com o que está oculto à maioria das pessoas. Tem a ver com o fato de que seu corpo processa bem os nutrientes que você lhe dá.

Presta atenção, Gabi: você é linda - tá legal, isso foi difícil de escrever! - e você é amada por quem você é, não por quem você parece. Não é sua cintura 67 ou 80 que faz você uma pessoa melhor ou pior que ninguém, mas são as suas atitudes e sua maneira de ver a vida e o que você faz com ela.

Eu tenho orgulho, Gabizinha, da sua trajetória. Da mulher que você se tornou. Eu vou te amar, do jeito que você é"!

Essa é minha promessa a mim mesma! E eu quero que seja você quem for e que está lendo isto aqui, que vá em frente. Mostre o que é. Não o que tem! 


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