segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

Destra

                A mesma pena que empunho com tanta destreza, o mesmo pincel que o papel e a tela afaga, essa voz calada, surda e quieta, são as mesmas armas que cravam de dor essa minha mão direita.

                Essa destra que a letra derrama ao invés de lágrimas, essa mão que ri no lugar dos lábios, essa mão que xinga ao invés da língua, esses dedos que beijam no lugar da minha boca... que faz amor, que dança, que se admira e que o amor declara para os olhos de quem quer e pode ler.

                Há um punhal em minha mão quando a tristeza me inunda.

                Essa dor fina, curta e latente que meu corpo todo sente na minha mão.

                Um mistério doloroso, infame e vil, decadente, destrutivo, corrosivo e cru.

                Essa minha mão que com amor o alimento prepara, que acarinha e que bate, que demonstra sensualidade, carrega o anel e minhas muitas verdades.

                Hoje, essa mão, gostaria de percorrer um corpo nu, cravar as unhas nas costas de tanto prazer.

                Queria também dar prazer acarinhando cada centímetro de hormônios, de cheiros... calar a boca que geme nesse paraíso sexual que a natureza clama.

                Mas, essa mão sente os defeitos do corpo que a carrega. Os defeitos cerebrais por quem ela, dolorosamente chora.

Essa mão sente os efeitos dos padrões, os efeitos de um tempo que passou.

                Aqui, e nesse instante, ela junta letra a letra, para dizer que ela dói e que ela sente um tempo que se foi e que lamenta um futuro que não sabe se será.

                Essa mão... que se junta à esquerda para esperar, que se contorce quando a angústia vem, que as lágrimas seca e que toca os lábios para, pensativa, aquietar.

                Essa mão, à destra do que sinto, penso e vivo, essa mão destra que embala os sonhos que ainda vivo.


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