sexta-feira, 29 de maio de 2020

Na Passarela

   É engraçado como temos a estranha tendência de acreditar nas coisas ruins que dizem sobre a gente.
   Pode reparar... Muitas vezes - que mulher nunca? - a gente acorda se achando linda! Se arruma e sai. Ou fica em casa, mas se sentindo o máximo de linda. Sabe aquele dia em que seu cabelo amanhece perfeito, sua pele está um pêssego, você não está inchada e seu olhos estão mais brilhantes? Então... Basta chegar em algum lugar e alguém dizer algo do tipo: "Nossa! Eu não sabia que você estava grávida! ou, "O que você fez no seu cabelo, menina? Está bonito, mas eu preferia do outro jeito." Ou ainda, "você tem um rosto tão lindo, ia virar uma modelo internacional se emagrecesse" / "Porque você não tenta a dieta dos pontos / jejum intermitente?" E já ouvi também: "Essa depressão passa se você fizer exercícios", ou "suas dores todas irão desaparecer se você fizer exercícios, e você ainda vai ficar muito mais bonita e melhorar sua autoestima, porque irá emagrecer". 
  Toooooooooooodas essas palavras - basta uma dessas falas - bastam para arruinar um dia que amanheceu com um espelho mostrando uma mulher maravilhosa!
   Nesse dia, essa mulher foi dormir desfigurada por dentro: horrível, cheia de celulites, gorda, com peitos caídos, cabelo de vassoura, vasinhos na perna inteira e, claro, com a cara inchada de tanto chorar, ou pior, uma alma mais uma vez dilacerada.
   Sabe, aqui prestes a completar 41 anos, sinto que, na verdade, agora começo o verdadeiro aprendizado da vida. Mademoiselle Chanel, minha xará favorita, dizia que, infelizmente, as mulheres só se dão conta do quão lindas eram quando já é tarde demais. Pois é...
   Não que eu ache que já é tarde demais. Mas, sinto que perdi, pelo menos uns 20 anos ou mais de muita paz e amor com o meu espelho.
   Porém, vou me dar um pequeno desconto, pois há pelo menos alguns anos que decidi ser o mais gentil que posso comigo mesma e me amar o quanto mais eu puder, da maneira que eu puder.
    Passei alguns muitos anos da minha vida, entretanto, ouvindo coisas muito cruéis sobre meu cabelo, meu corpo, minha bunda, meu jeito de ser, minhas atitudes, meu comportamento, meus talentos, minha capacidade intelectual, sexualidade, meus amigos e até mesmo minha família. Ou seja, tudo o que eu era e tudo o que vinha de mim, ou tudo o que me fez era ruim.
    Ao cabo de tudo, eu mesma já acreditava em tudo aquilo. E olha que nem culpo de tudo quem disse e pensava tudo isso. Eu me responsabilizo por não me amar o bastante para não acreditar. Porém, eu era muito novinha e inexperiente, não tinha, digamos, o couro grosso. Somente com muito choro, muitas conversas solitárias e muita dor que eu fiz as pazes comigo mesma e estou aprendendo a me perdoar.
    Há poucos dias eu li a seguinte frase: "Perdoe-se pelos erros do passado, afinal, você não tinha o mesmo nível de consciência que tem hoje." Eu, mesmo assim, me entristeço, porque eu fico pensando no tanto de precioso tempo eu perdi carregando pesos que colocaram sobre mim e que eu aceitei.
    Mas, também penso que foram justamente todos os erros, todos os acertos, todas as pessoas com quem tive oportunidade de encontrar, amar, as que magoei e convivi durante esses meus anos de vida, todas essas experiências que talharam essa pessoa que eu me tornei. Estou, finalmente, sentindo que a vida se descortina à minha frente e gosto muito dessa nova perspectiva.
    Chanel também disse assim: "uma mulher que corta o seu cabelo está prestes a mudar a sua vida" e que "a beleza começa no momento em que você decide ser você mesma." E bem nessa toada eu, em 2016, resolvi assumir meus cachos e cortei radicalmente meu cabelo, tentando retirar as inúmeras progressivas que vinha fazendo desde 2006. Eu não tinha ideia de que, na verdade, uma imensa mudança estava se passando dentro de mim. Que, na verdade, eu já não estava mais suportando o peso que minha alma estava carregando. 
    Aqui mesmo no Universo eu relatei toda a minha história de ansiedade e depressão e nesse mesmo ano de 2016 eu comecei um grande processo de vontade imensa de mudar. Mudar alguma coisa e nem mesmo eu sabia o que era. Cortei o cabelo, mas voltei a alisar. 4 anos se passaram, já tentei até mudar de casa e aí, eu cortei o cabelo bastante mesmo depois de uma cirurgia de histerectomia e ainda por cima fiquei ruivíssima! E, ninguém imagina o quão bonita eu estou me achando! 
    Uma das melhores coisas da pandemia de COVID-19, sem dúvidas, é a gente não encontrar com pessoas sem noção e que não conseguem segurar a língua.
    À parte o corte de cabelo que as cacheadas progressivadas chamam de "the big chop", ou o grande corte, também decidi, definitivamente, parar de neuras com o meu corpo. Obviamente, sou mulher e, como toda mulher, há coisinhas que gostaria de mudar. A barriguinha que ganhei depois da gestação, diminuir os seios e fazer uma lipozinha de papada... e tudo o que a gente fica inventando para envelhecer melhorsinha, né?
    Um dias desses, pensando um pouquinho, eu cheguei à seguinte conclusão: E se eu não emagrecer mais? Passarei quanto tempo mais esperando perder quilogramas para viver? Quantos banhos de piscina com minha filha, quantos banhos de mar - apesar de não gostar muito - quantas roupas vou deixar de vestir, quantas coisas eu vou deixar de fazer só porque estou acima do peso ideal? DEFINITIVAMENTE, preciso me amar AGORA! Amanhã pode ser tarde demais.
    O não se amar traz solidão, solidão traz tristeza, tristeza traz muitos outros sentimentos ruins... E eu não estou mais disposta a sofrer todas essas coisas que já vivi por tanto tempo. 
    SE eu emagrecer, ótimo, se eu NÃO emagrecer, tá bom também. Afinal, estou gostando tanto de mim, gente! Achando-me bonita de verdade, gostando do espelho e não apenas fingindo gostar ou pensando que está passável a minha aparência. Cansei de acreditar em verdades alheias! Ou eu me amo o suficiente para confiar totalmente em mim mesma, ou acredito na imagem que os outros têm de mim. Afinal, filosofando, o que é belo? O que é verdade? Todas essas coisas são como chapéus, os quais as gente escolhe as formas que melhor  nos assente.
    Olha,  como eu era ruim comigo! Eu fui, por tanto tempo da minha vida, escrava das palavras alheias quando eu mesma tinha as melhores dentro de mim para dar. Nunca as guardei para mim, entretanto. E as palavras ditas por quem a gente ama têm muito mais valor. Eu já me perdoei por ter permitido que tantas coisas ruins tenham entrado em meu coração e afetado tanto minha existência a ponto de me paralisar em uma depressão longa e dolorosa.
    E aqui estou eu com meus cabelos encaracolados, com quilos a mais na balança, porém, muito mais leve e jovem no coração. Minha amiga Chanel também contou que "ninguém é jovem aos 40 anos, mas pode ser irresistível em qualquer idade."
   Ô, Chanel! Concordo em parte... Sabe o que é? O tempo de vida pode pesar no corpo, mas a gente pode ter, como disse o General Mac Arthur, a percepção de que "juventude não é um período de vida; ela é um estado de espírito, um efeito da vontade, uma intensidade emotiva..."
    E é bem isso! Nesse desfile de Chanel, rodeada de tantas pérolas, tweeds, camélias e sapatos bicolores, já me vesti e estou na passarela da vida, e agora me sinto a melhor e maior supermodel da minha própria vida. E, vestida linda e elegantemente, trago comigo a postura de quem vence, de quem perdoa, de quem sorri com o coração, de quem chora com verdade intensa das emoções que vive. 
    Que olha para frente, segue firme e caminha com a certeza de que aplausos virão do seu próprio coração, um coração que, finalmente, aprendeu a se amar. Finalmente!









   

Um comentário:

Unknown disse...

Adorei camaleoa... muito se descobrir e se libertar! Texto de muita sensibilidade e libertador! Parabéns por rasgar todas as camadas de pele, para se fazer nova. Bjos

"Eu sou o mesmo livro, podes ler"...

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