É bem possível que você ainda use
o mesmo perfume. É possível também que qualquer pessoa que passou por sua vida,
quando sentir o seu perfume, lembre-se de você. Do som da sua voz, da sua
imagem a sorrir ou a chorar, preocupado, destemido, irritado... É bem possível
que nesse momento todos os momentos vividos venham à tona, como um náufrago que
acaba de saltar do barco que afunda e, num átimo de segundo – só o tempo de
aquele cheiro familiar chegar às suas narinas e inundar seu corpo e cérebro de
sensações – tudo, tudo o que viveram e o que deixaram de viver também foi
revivido.
É bem possível que eu também use
o mesmo perfume. E que qualquer pessoa que também me conheceu se lembre de mim.
Mas, eu sei, a ciência sabe, a
filosofia – mais que ciência – que ninguém, com o passar do tempo é mais o
mesmo. Não somente pelo que nossas células fazem, mas pelo que nosso interior
sabe. Não somos os mesmos e nada é igual. Nem o seu cheiro. Nem o meu. Nem
nossas lembranças, nem nosso passado, nem nosso futuro. Muito menos nosso
presente.
Quem pode saber o que seria se?
Quem pode prever o talvez? Quem pode intervir no que não houve e jamais haverá?
Ainda que seu perfume seja o mesmo, ainda que o meu seja igual, o que deixou de
acontecer... Já era! E o que já foi não pode ser mudado.
Qual o aroma do seu cheiro? É
aroma de aconchego? É aroma de paz? É aroma de desassossego? Aroma de
lembranças? Seu cheiro lembra o que? Das pessoas que você fez chorar? Das
pessoas que o abraçaram? Dos lugares em que esteve? Com quem?
Um cheiro pode ter mil
significados para você. E, talvez, seja apenas resquício de uma vida que
poderia ter sido e não foi.
Meu cheiro, eu tenho certeza, é
de coragem. Tive muito medo de viver. Mas, muito mais medo ainda de não viver.
Por isso resolvi que muito mais tinha a perder se não desse o primeiro passo
rumo ao abismo. Caí... Mas, quando percebi, eu tinha asas!!! E voei! Hoje estou
no ninho sossegada, mas não apegada. Ainda posso voar e ser feliz sempre, assim
como sou feliz sempre na segurança do meu ninho!
Meu cheiro é de dor e de alegria
misturada. Meu cheiro é de amor e ressentimento. De mar e de terra. Meu cheiro
é o da minha casa. Da minha cama. Do meu jardim e das ervas que eu planto. Das
roupas que eu sujo e das que eu lavo. Do meu marido. Da minha filha. Das
amizades duradouras e das que se foram.
Meu cheiro é de família e de
amores que já não são. Mas, que me fizeram. Pode ser que você goste do meu
cheiro. Ou que já tenha gostado dele. Não importa. Ele é meu. E, ainda que eu
mude meu perfume, ele ainda será meu. Porque essência é o cerne, aquilo que se
esconde onde não se percebe.
Perfumes podem lembrar a saudade
que temos. E também podem libertar lembranças já esquecidas. Têm poder de nos
transportar no tempo e levar-nos aonde jamais fomos. A essência da vida... Que
segue, que rompe barreiras ou que as coloca no caminho...
Tudo isso em um perfume.
De que? Sei não... Só sei que
meus pés saíram do chão... E, de repente, estava onde já quis e não quero mais
estar. Porque os novos cheiros, os novos perfumes da minha vida me fazem seguir
à diante, mesmo que olhe um pouquinho para trás para admirar a paisagem!!!
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